Relevancia em estrategia de marketing: um estudo de caso em empresa orientada para o mercado.

AuthorFaria, Alexandre
PositionMARKETING

RESUMO

Apesar da crescente importancia do marketing, em particular após o ocaso da Guerra Fria, duas questões ainda são problemáticas: (a) a implementação de seus principios pelas empresas e (b) a relevância da disciplina. Até meados dos anos 1980 o problema central era fazer com que a estratégia de marketing influenciasse a estratégia corporativa. No início dos anos 1990, autores baseados nos EUA ofuscaram essa questão ao prescreverem a orientação para o mercado (OPM) como elemento central para o desempenho competitivo das empresas. Esse conceito, que substitui o foco na função de marketing pela empresa como um todo e privilegia o papel da alta hierarquia, reforçou o caráter estratégico do marketing e ofuscou as preocupações de pesquisadores com a realidade da implementação. O autor deste artigo, o qual é apoiado por um estudo de caso que seguiu uma abordagem crítica quanto a conceitos construídos nos EUA e quanto a quem pesquisa acadêmica deve ser direcionada, argumenta que o conceito de OPM é problemático porque suprime questões de poder entre os domínios de estratégia de marketing e estratégia corporativa. No final é ressaltada a importancia da crítica ao conhecimento em marketing produzido nos EUA e da construção de pesquisas em estratégia de marketing no Brasil que sejam relevantes para praticantes.

Palavras-chave: estratégia de marketing; orientação para o mercado; crítica; pesquisa qualitativa

  1. Introdução

    Temos observado nos últimos quinze anos a importância crescente do 'mercado', da 'mercadoria', e das correspondentes relações entre empresas, entre empresas e governos, e entre empresas e consumidores. Duas das principais causas são o ocaso do modelo de socialista de Estado e o advento da globalização econômica no início dos anos 1990 (Dicken, 1998). Correspondentemente, muitos autores, principalmente nos EUA, denominam essa nova realidade de era da estratégia 'direcionada-para-o-mercado' por entenderem que o mercado tornou-se o foco central para a estratégia na grande empresa (Cravens, 1998; Webster, 1992).

    Esse cenário parece indicar que os autores que preconizavam nos anos 1960, segundo diferentes perspectivas e interesses, que a disciplina de marketing teria extrema importância para a sociedade estavam certos. Entretanto, curiosa ou correspondentemente, cabe destacar que ainda é grande o número de autores que questionam a relevância da disciplina (Hunt, 1994; Burton, 2001) e a efetiva contribução estratégica do marketing (Hunt e Lambe, 2000; Varadarajan e Jayachandran, 1999; Piercy, 1998; Day, 1992).

    Dando especial ênfase ao problema da relevância, o autor do presente artigo argumenta que esse problema é mais preocupante em países 'periféricos', tais como o Brasil, do que em países mais desenvolvidos por tres razões. Primeiro, porque as relações de poder entre o mercado de empresas e o mercado de consumidores são mais assimétricas no Brasil--e têm ficado cada vez mais principalmente devido ao advento da globalização econômica--do que em países desenvolvidos (Souza, 2003; Churchill e Peter, 2000). Essa questão faz com que a implementação dos princípios fundamentais de marketing --ou seja, de que empresas (em especial as de grande porte) não abusem do mercado de consumidores e de que o atendimento das necessidades desse mercado resulta em vantagem competitiva para empresas e em desenvolvimento sócio-econômico (ver Bloom e Greyser, 1981)--seja ainda mais importante em países 'periféricos' do que em países desenvolvidos.

    Segundo, porque no Brasil a produção acadêmica em marketing ainda é majoritariamente subordinada ao que é produzido nos EUA (ver Vieira, 2003). Esse tipo de subordinação ocorre nos mais diversos países, tanto desenvolvidos como 'periféricos', por causa da hegemonia dos EUA nessa área e nas diversas outras que compõem o crescente campo da administração. Esse quadro é problemático e precisa ser revisto por diversas razões, dentre as quais destacamos duas. Primeiro, porque, conforme reconhecido até mesmo por alguns de seus principais construtores e beneficiários, "o sistema norteamericano de marketing tem sido acusado de acrescentar vários 'males' à sociedade como um todo" (Kotler e Armstrong, 1999: 476). Segundo, porque a hegemonía dos EUA nessa área tem recebido sérias críticas. Uns afirmam que ao longo das últimas décadas a "teoria geral de gerência de marketing não teve qualquer desenvolvimento substancial" (Gummesson, 2001: 29) enquanto outros afirmam que a disciplina não "atingiu nem a utopia acadêmica de status científico nem melhorou significativamente as práticas diárias dos gerentes da área" (Brown, 1996: 257).

    Importantes pesquisadores baseados nos EUA têm manifestado profunda preocupação com o baixo status da profissão e da própria disciplina. Alguns argumentam que a disciplina deve evoluir em direção ao 'pluralismo crítico', em substituição à hegemonía do positivismo estatístico, para que "a sociedade, os estudantes, a prática de marketing e a academia" (Hunt, 1994: 22) sejam igualmente reconhecidos. Outros afirmam que os cada vez mais rigorosos testes de teorias--a maioria delas construídas nos EUA--por meto do positivismo estatístico têm reduzido a relevância da disciplina porque as abstrações feitas por pesquisadores "são extremamente distantes do contexto da maioria dos gerentes" (Day e Montgomery, 1999: 12).

    Os argumentos desses autores dão suporte aos argumentos mais recentes, vindos da Europa, de que o conhecimento produzido em OPM nos EUA é resultado de manipulações estatísticas de variáveis (Piercy, 2002; McNaughton et al., 2001; Henderson, 1998; Wensley, 1995) que mascaram as influencias do pesquisador e de suas teorias (Kuhn, 1970) e reproduzem o mito da "observação objetiva da realidade" (Anderson, 1983: 20). Correspondentemente, o problema então é que a maioria das pesquisas em OPM, principalmente devido aos cânones do positivismo estatístico que governam a produção acadêmica nos EUA, vem desprezando as práticas gerenciais e a realidade organizacional dos praticantes (Narver et al., 1998; Morgan e Strong, 1998; Harris, 2002; Céspedes e Piercy, 1996). Tais pesquisas vêm influenciando pesquisadores de outros países e contribuindo para reduzir a relevância da disciplina e rinda para aumentar as distancias entre acadêmicos e praticantes e entre acadêmicos e a sociedade.

    Terceiro, porque a proporção de pesquisadores, ou trabalhos publicados, em marketing no Brasil que questiona o status quo da disciplina ainda é consideravelmente reduzida em comparação com o que ocorre na Europa e mesmo nos EUA. As dificuldades para combater a hegemonia dos EUA na área (ver, por exemplo, Smithee, 1997; Burton, 2001) são enormes e qualquer iniciativa nesse sentido exige recursos e bases de legitimidade que não estão disponíveis em geral para pesquisadores baseados na 'periferia'. Isso explica, por exemplo, por que somente na Europa um certo número de pesquisadores tem mantido núcleos de pesquisa que têm como um dos focos principais a crítica da hegemonia dos EUA na área.

    Mais recentemente, um grupo de pesquisadores europeus perdeu a paciência e adotou uma postura crítica mais contundente (ver Brownlie et al., 1999) para estabelecer uma nova diretriz acadêmica para a área. Dentre os argumentos mobilizados por aqueles pesquisadores, três merecem destaque: (a) marketing não é uma ciencia 'universal' ou 'neutra', (b) pesquisadores devem privilegiar características sociais, políticas, econômicas e culturais locais, e (c) a relevância da disciplina deve se basear principalmente nos praticantes e na sociedade e não somente nos próprios acadêmicos. Correspondentemente, esses pesquisadores têm se dedicado a elevar a relevância da pesquisa por meio de constituição de agendas específicas dentro das escolas de negócios, dos conselhos editoriais das principais revistas acadêmicas locais, e das principais instituições financiadoras de pesquisa.

    Essa vertente mais crítica tem começado a atrair a atenção de pesquisadores de ciências sociais, de pesquisadores em países 'periféricos', e também de pesquisadores baseados nos EUA que não se conseguem se alinhar ao mainstream. No lado hegemônico, a grande maioria dos pesquisadores baseada nos EUA tem ignorado as críticas que vêm da Europa, seguido uma postura bem mais 'otimista' acerca do futuro da disciplina, defendido a importância estratégica do marketing para as grandes empresas (Cravens, 1998), e, em paralelo, aumentado a influencia da academia dos EUA em países 'periféricos'.

    Este artigo, baseado no reconhecimento desse interessante cenário de disputas acadêmicas e da importancia do uso cuidadoso de fundamentos da metodologia da pesquisa-ação (Thiollent, 1998; McSweeney, 2000) para a redução da distância entre acadêmicos e praticantes, defende a importância de pesquisas focadas no entendimento de como e por que estratégias de marketing em empresas orientadas para o mercado são implementadas.

    Na próxima seção o autor desenvolve uma análise sóciohistórica da literatura para criticar a hegemonia da academia dos EUA na área e para demonstrar que o conceito de OPM suprimiu a importância de pesquisas focadas em implementação de estratégias de marketing. Na seção seguinte, o autor propõe uma abordagem crítica para pesquisa e descreve os procedimentos metodológicos de um estudo de caso que seguiu uma abordagem qualitativa e que evoluiu para uma proposta de pesquisa-ação devido às preocupações do informante-chave e do pesquisador com a questão da relevância. Nas últimas seções, são presentados os principais resultados do estudo de caso e é destacada a importância da construção local de conhecimento em estratégia de marketing que seja relevante para os praticantes.

  2. Revisto crítica da literatura

    Esta seção é dividida em três partes. Na primeira é desenvolvida breve análise sócio-histórica do marketing como prática e como disciplina nos EUA baseada em revisão interpretativa (Severino, 2000) da literatura. Na segunda e na terceira são...

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